terça-feira, 9 de março de 2010

Credibilizar a Justiça

A Justiça portuguesa atravessa uma crise sem precedentes na vida da nossa democracia. Se há área da vida do Estado onde crescem as queixas da diferença de tratamento e dos obstáculos ao desenvolvimento económico e à liberdade pessoal é a justiça. O problema central é, porém de natureza constitucional e política, e tem a ver com a credibilidade, a legitimidade e a confiança no poder judicial. Devemos, pois, separar os dois planos. 
Um primeiro tem a ver com uma reforma global do poder judicial, que exigirá uma revisão constitucional e uma participação dos actores políticos e dos actores profissionais. Creio, aliás, que a haver alguma transformação de sistema político, ela deve partir de e assentar na questão da justiça. Mas importa também sublinhar que, a par ou independentemente dessa reforma de tipo constitucional, muito pode ser feito e posto no terreno. A principal peia da justiça – designadamente, na sua vertente privada e económica – é a morosidade. O aumento da celeridade passa inevitavelmente por uma alteração do processo civil, no sentido da sua simplificação e da atribuição ao juiz de um forte poder discricionário, capaz de travar os ímpetos garantistas das partes. Poder que há-de ser compensado com uma avaliação e aferição de tipo externo. 
Defendo várias medidas que podem contribuir para resolver esta situação. Por exemplo, não se compreende que havendo uma rede de mais de 400 notários, bem distribuída pelo país - hoje esvaziada de competências pela contra-reforma Sócrates à mais bem sucedida reforma de sempre na justiça que foi a privatização do notariado -, que essa rede, porventura acrescentada dos conservadores a carecerem de processo de privatização paralelo, não seja dotada de competência para resolver pequenos litígios, libertando os tribunais. 
Não se compreende, também, que os tribunais fiscais - que são de longe dos mais morosos e onde em 2005, quando passei pelo Ministério da Justiça, estavam pendentes mais de 20.000 milhões de euros - não sejam modernizados e apetrechados com o dobro do número de juízes e de funcionários especializados. Com um investimento que não chega aos 100 milhões de euros - imagine-se! - o Estado poderia facilmente recuperar alguns milhares de milhões de euros. 
Num outro plano, que não o da justiça das causas privadas e económicas, tem de pôr-se a justiça criminal. Nesta área também defendo uma ruptura com as políticas do passado. Em face de um mundo globalizado, com ameaças difusas à segurança e aos bens pessoais e colectivos, impõe-se agora uma visão articulada e integrada das áreas da defesa, da administração interna e da justiça criminal. É necessário ter em vista que, muitas das funções policiais e de protecção civil dos nossos dias, requerem capacidade militar. 
Precisamos, pois, de integrar funções policiais, militares e às vezes judiciais. A par de tudo isto, segue a necessidade do cruzamento de informação, seja em sede preventiva, seja em sede de perseguição e repressiva. 

Paulo Rangel

1 comentário:

  1. Depois de ler o texto acima mencionado, não posso deixar de dar os parabéns ao Paulo Rangel, pela demonstração do conhecimento que tem da justiça portuguesa e das possíveis soluções que apresenta para a sua resolução, faço votos para que nas outras áreas também tenho as mesmas ideias e vontade e as pôr em prática. 2010-03-10-Manuel Freitas.

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu comentário.